domingo, 17 de janeiro de 2010

katálogos



Gosto das coisas desarrumadas.
Porque não melhor se percebe o caos?
Para que servem as coisas que se adivinham?
Uma prenuncia a próxima, que denuncia a que a sucede, que por sua vez precede a que vem a seguir e que já se sabe que chega mesmo que não se faça anunciar.
Perder-se-ia o espanto de ter por que espiar.
Condenado ficaria o êxtase de não se perceber o que veio sem pedir, e, sem pesar ou expiação, bradar que nem sequer se sabe o que fazer com ele.
Gosto das coisas espalhadas, para que saibam que lhes procuro um lugar, que as preciso e me precisam a mim.
Em cada uma que tropeço me espalho num acaso que surpreende aquilo que é, eterniza tudo o que já foi e dá cabo de tudo o que ainda está para vir.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Fôlego



Tudo o que se respira em redor faz lembrar o aroma daqueles casacos carcomidos que murcham esquecidos nos guarda-fatos.
Toucados grisalhos despontam por entre sobretudos de golas farfalhudas de pêlo, que oscilam em pernas de porcelana que relutantes se movem, e rangem nas dobradiças dos sapatos pretos de luva ortopédicos.
As mãos sapudas decaem e descansam depositadas no colo... sobem e descem. Os seus sopros perdem em vida o que querem alcançar em golfos de gente que já não sabem carregar. Pesados. Pesados porque já se repensa e repesa e se recusa o corpo para nada prestar.
Piedoso espia o olhar por venturas indeciso: agora nos aquece e enternece como logo se desvanece por entre persianas de rugas, pregas e chumaços.
As pálpebras cortinam os olhos que por detrás se desmaiam (como quando se suspira exausto por encontrar seu travesseiro). A alma se eleva então da carne...leito de tantas maleitas, cruzadas, derrotas e tomadas que o que fica por se tomar se despoja por entre escombros.
Demasiadas verdades à cinta, para quem quando aqui chegou as não sabia.Que quando por ali passou nem fez questão de as saber e que assim até nem se importava de continuar.
Por vezes a mentira que se traz na algibeira é nos mais fiel que uma verdade que a si mesma se corrompe.
Existimos de facto, não porque respiramos, mas por termos algo por que respirar.
Bate-se a porta, e como uma lente que tudo distorce as silhuetas se disformam em cores difusas.
As palavras soam agora a sons metálicos que se entrecortam pelas dobradiças que forcei à saída e que agora oscilam pelos batentes.