terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Carēre


Por vezes....
... quando nos tolhem um cuidado que ombreira e voluntariamente nos chegava e aquecia o peito...somos tomados de fúrias indomadas.
Ficamos débeis e parece faltar-nos um sustento…
Apercebermo-nos disso parece ser insustentável….
O conforto do afecto rodeia-nos as vestes, os ombros, o rosto… leva nos em palavras e as palavras nem nos bastam para o expressar…
...têm de ser um tanto, mais um tanto e sim… só mais um tanto… mais… que falta ainda um pouco. Falta-nos sempre algo que nos bendiga…será que em nada nos sabemos bendizer?
Ímpetos, que nem sabíamos em nós, despontam em adrenalinas… que nos inebriam e entorpecem os sentidos…
Viajamos pois em delírios trôpegos e insaciáveis que só cessam na voracidade de não poderem, porque não podem mesmo vir a cessar.
A culpa do espaço que fica, parece ser de quem se espojou em seu lugar e monarquicamente se retirou dos nossos aposentos…
…tão nossos que ficam sem sustento e sem forma de se sustentar.
Haverá culpa no Amor de outrem… por não o ter para partilhar?
E para a repulsa de nos doer porque não o conseguirmos aceitar…?
O tempo embala o tempo…e as coisas que a vida tem…
Ninguém rouba um pedaço de nós…
porventura poderemos nós ...
...ter escolhido deixá-lo ir...
...ou continuar incessantemente à procura de alguém que nos diga onde o vamos encontrar.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Hodie


Acordar... mas que vertigem tão boa....
Os raios despontam pela janela e se espreguiçam pelo quarto... a luz é ténue... matinal...
Um chilrear de pássaros chega e nem se sabe de onde...
Solta-se a brisa de par em par
por entre as cortinas da janela que oscilam em câmara lenta.
Os cabelos baloiçam no vento que os torneia,
a face, acariciada,
retribui com um tímido sorriso...
Hoje recebo-te porque te trago comigo.
Hoje dou-te a ti a minha mão porque escolho a teu lado caminhar.
Hoje te aperto.
Sem ter medo de te largar.
Hoje aceito-me... mesmo que não saiba em que lugar.

domingo, 18 de julho de 2010

Knock Knock


Picture: May Ann Licudine


Passo pelos dias e pelas horas,
Sem que eu dê por eles, nem eles por mim.
Sem dar conta, perco a conta de quem passa ou do que passa por mim.
Acontecem-me as coisas.
E depois...aconteço Eu também. Mais ou menos: Assim.
Sem espreitar para ver o caminho nem tão pouco saber seu fim.
Sigo de mão dada sem saber já onde estou.
Sabes para onde me levas ou não sei eu pra onde vou?
Mesmo que por aqui vagueiem,
As palavras soam vagas e parecem ficar sempre por dizer.
É que quantas mais se somam, mais elas teimam em aparecer.
Fazem barulho dos ouvidos,
pesam nos ombros e querem fazer crer.
Que por si só são tão grandes,
que na sua sombra tudo se pode esconder.
Afago-te agora.
Não tenho pressa de te deixar.
Aperto-te cá dentro, mas lá fora vou já em jeito de te largar.
Levas-me o fôlego, mas não me tiras o ar.
Parece que a pouco e pouco, me oiço a respirar.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Wind me up


Imagem: Wind me up by rosiehardy


Há quem se lamurie por tudo o que a vida não lhe dá... e depois voluntariosamente se lembre de largar perdigotos carregados de injúria à vida,que nada fez. De bater o pé no chão e virar as costas à vida, que nada faz... poderia, na volta, pegar em toda a sua injúria, adamar toda a sua ira, polir a toda a sua frustação e presenteá-las a si. Será porventura digno de querer o que não tem, se nem por dignidade se lhe reconheça um pingo de suor para que o alcançasse. Menos digna a vida seria, se lhe retribuísse em pequenas doses paliativas de compaixão e subserviência. Honras e cerimónias de gratidão... meros agradecimentos vãos, por tantos espasmos de fracassos que nunca deixaram de o ser.
Em sabedoria acrescentará, apenas e só, aquele que apascente o espírito de todas as coisas que não foram, e assim cresça por ainda mais o ser.
Nem sempre o que nos fragiliza nos diminui...
Pega em tudo o que te aumenta e em ti mesmo acrescenta.
Dobra o que te faz sorrir e sorri em dobro ao que te faz minguar.
Cresce em ti para que aos teus olhos te possas orgulhar.
Vive em ti, para que possas sempre em tua casa pernoitar.

domingo, 21 de março de 2010

Stare


Há dias em que não há mal as coisas serem assim como são.Uns dias podiam ser um pouco mais, outros são tanto que até podiam ser de menos. A medida nunca parece ter conta certa. Mas decerto que contra factos consumados de pouco me vale teorizar, projectando pontos de vista reinventando formas de estar. E depois não há grande forma de estarmos em coisas que não o são ou que um dia podem vir a ser. Qualquer coisa como viver idealizando os dias que ainda vão chegar, e que já trazem às cavalitas um molho de expectativas que esperamos ver cumpridas. Esta é pois uma bela maneira de ganhar balanço, antes de pontapear todas as horas que repiquem a contrariar um tal estado de espírito que espirituosamente parece não se fazer chegar.
Há dias em que não há mal as coisas serem como são. Podem ser outra vez, podem até amanhã não ser, podem até diferentes nos parecer.Sabes? Mais se sabe daquilo que já foi, e ainda mais se pensa saber do que ainda está para vir.
Há dias em que não há mesmo mal nenhum em não se chegar onde ainda não se chegou. Que o mais esperado nem sempre é aquilo por que se estava à espera.
Há dias em que se torna imperioso deixar de construir becos, para depois num involuntário encolher de ombros varrer sobranceiro o olhar surpreso de quem afinal não encontrou saídas.
Adiante se segue de mão dada com o acaso. Complacente por aqui passa, deixando um banco, onde só se recosta quem mais não tem onde se sentar.
Há dias em que não há mal as coisas serem o que são ou estarem onde estão...se nos virarmos para nós, mesmo não sabendo já para onde nos virar.

domingo, 17 de janeiro de 2010

katálogos



Gosto das coisas desarrumadas.
Porque não melhor se percebe o caos?
Para que servem as coisas que se adivinham?
Uma prenuncia a próxima, que denuncia a que a sucede, que por sua vez precede a que vem a seguir e que já se sabe que chega mesmo que não se faça anunciar.
Perder-se-ia o espanto de ter por que espiar.
Condenado ficaria o êxtase de não se perceber o que veio sem pedir, e, sem pesar ou expiação, bradar que nem sequer se sabe o que fazer com ele.
Gosto das coisas espalhadas, para que saibam que lhes procuro um lugar, que as preciso e me precisam a mim.
Em cada uma que tropeço me espalho num acaso que surpreende aquilo que é, eterniza tudo o que já foi e dá cabo de tudo o que ainda está para vir.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Fôlego



Tudo o que se respira em redor faz lembrar o aroma daqueles casacos carcomidos que murcham esquecidos nos guarda-fatos.
Toucados grisalhos despontam por entre sobretudos de golas farfalhudas de pêlo, que oscilam em pernas de porcelana que relutantes se movem, e rangem nas dobradiças dos sapatos pretos de luva ortopédicos.
As mãos sapudas decaem e descansam depositadas no colo... sobem e descem. Os seus sopros perdem em vida o que querem alcançar em golfos de gente que já não sabem carregar. Pesados. Pesados porque já se repensa e repesa e se recusa o corpo para nada prestar.
Piedoso espia o olhar por venturas indeciso: agora nos aquece e enternece como logo se desvanece por entre persianas de rugas, pregas e chumaços.
As pálpebras cortinam os olhos que por detrás se desmaiam (como quando se suspira exausto por encontrar seu travesseiro). A alma se eleva então da carne...leito de tantas maleitas, cruzadas, derrotas e tomadas que o que fica por se tomar se despoja por entre escombros.
Demasiadas verdades à cinta, para quem quando aqui chegou as não sabia.Que quando por ali passou nem fez questão de as saber e que assim até nem se importava de continuar.
Por vezes a mentira que se traz na algibeira é nos mais fiel que uma verdade que a si mesma se corrompe.
Existimos de facto, não porque respiramos, mas por termos algo por que respirar.
Bate-se a porta, e como uma lente que tudo distorce as silhuetas se disformam em cores difusas.
As palavras soam agora a sons metálicos que se entrecortam pelas dobradiças que forcei à saída e que agora oscilam pelos batentes.